D. Ciências da Saúde - 3. Saúde Coletiva - 3. Saúde de Populações Especiais
POVO MBYÁ-GUARANI:
REEXPLICITAÇÃO MEDICINAL E TROFOLÓGICA DA ALDEIA KA’AKUPÉ
Dérick Carniello Rezende 1
Bruno Guarino Gonçalves 1
Régis Furquim Scaleante 1
Jaci Rocha Gonçalves 1, 2
(1. Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL; 2. Orientador)
INTRODUÇÃO:
O projeto “Povo Mbyá Guarani: Revitalização Medicinal e Trofológica” refere-se ao programa “Revitalizando Culturas” como contexto de pesquisa científica já em realização e consolidação na Unisul, especialmente no Campus Pedra Branca. Desde 1998 produções acadêmicas relacionadas ao povo Mbyá-Guarani vem sendo desenvolvidas na graduação, extensão, iniciação científica e mestrados da Unisul em diversas áreas. É uma contribuição de pesquisa do local para o universal como já aconteceu em outras áreas, tendo cidadania inclusive na revista do SBPC e menções honrosas como a pesquisa diferenciada no EXPOCOM e outros eventos. Neste caso, trata-se de aprofundar a pesquisa na área da medicina natural bem como a saúde com foco específico na trofologia e fitoterapia. Sem dúvida que a contribuição desta pesquisa pode devolver ao Brasil o olhar para si mesmo como descobridor dos trópicos e das suas culturas milenares, aprofundando um olhar que supere o eurocentrismo até então reinante. Quanto aos aspectos culturais prefere-se partir do próprio sujeito cultural, o mbyá-guarani. O modo de ser Mbyá-Guarani implica, principalmente, no sagrado, característica de um povo de fé que busca a Terra-Sem-Males, uma terra próspera e sem maldades.
Muito se perdeu da cultura Mbyá e isso ocorreu principalmente pela falta de terra que obriga o cidadão autóctone a viver como o homem não-índio nas aldeias do município de Palhoça (SC), impossibilitando a mobilidade para suprir suas necessidades. E esse é o principal objetivo desta pesquisa: através de encontros, conversas e um planejamento adequado ampliar condições de sobrevivência, mas no modo de ser Guarani desencadeando um processo de endoculturação.
METODOLOGIA:
O método é o da reciprocidade cultural. Por isso o primeiro passo é o estudo geral de antropologia cultural pelos pesquisadores, o levantamento bibliográfico e etnoaudiovisual sobre o tema específico do projeto relacionado ao modo de ser e fazer da cultura Mbyá-Guarani. O segundo passo é a visitação sistemática, organizada cientificamente, pelo método etnográfico. Por isso toda visitação demanda registros escritos, fotografados, e, de acordo com o projeto e a comunidade mbyá, se necessário, também gravado em audiovisual. O terceiro passo é a consolidação do projeto a partir dos interesses dos Mbyá, legitimamente representados. São discutidas as pautas e campos culturais de observação, como o fortalecimento de costumes, teogonias, crenças, medicina, educação, estética, arquitetura, música, agricultura, etno-fitoterapia, economia, política, direito e outros campos fundamentais para realizar os objetivos da trilogia de revitalização cultural: auto-estima, autonomia e auto-sustentação já acima descrita. Neste passo emergem as prioridades em documentos elaborados pela própria aldeia. Estas etapas etnográficas são realizadas com os Mbyá-guarani da aldeia Ka´akupé de Maciambu em Palhoça (SC), apreendendo o ethos desse povo e servindo como base para a interação com outras aldeias do mesmo povo Mbyá da região litorânea de Santa Catarina. O quarto passo é consolidar em artigos cada experiência de reciprocidade cultural através da etnologia, ou seja, a sistematização dos dados de sabedoria observados e a comparação com outras referências bibliográficas et alii. Esta teorização sobre o tema específico de saúde integral Reexplicitação medicinal e trofológica pretende servir não só à comunidade mbyá, mas com a sua anuência, também à Naturologia Aplicada e demais áreas do saber científico. Em paralelo, se incentiva a agricultura de subsistência com a utilização de tecnologia apropriadas (Permacultura, Agricultura Natural), mobilizando esforços no sentido de garantir assessoria técnica para o aproveitamento sustentável dos recursos, construindo minhocário e composteiras para a produção de húmus, separando resíduos orgânicos para a produção de composto, utilização de adubo verde e rotação de culturas. Parte da adubação verde é derrubada no florescimento da planta e deixada sobre o solo do plantio para decompor e a outra parte é mantida para a produção e manutenção das sementes. Após esta etapa, é que efetivamente se começa a cultivar as plantas da alimentação tradicional Mbyá-Guarani para atender as necessidades nutricionais em curto, médio e longo prazo. O cultivo dos alimentos privilegia a forma cíclica, dentro da rotatividade de culturas com a utilização da adubação verde para a recuperação de áreas já cultivadas. Na medida da interação os vínculos se tornam mais estreitos e favorece a educação para cuidados com os resíduos de lixo do homem branco na aldeia, visto que os restos orgânicos devem alimentar a composteira e o minhocário e os resíduos de plástico, metais e outros não devem permanecer no local devido também à questão da saúde. Utilizando a Antropologia Cultural e a Naturologia Aplicada como pano de fundo para o embasamento teórico-científico se aponta as plantas, suas propriedades e funções e sua aplicação de acordo com a respectiva doença, respeitando o “saber” e o modo de ser Guarani.
RESULTADOS:
Foram realizados os levantamentos de bibliografias específicas sobre o milho e a mandioca produzida em todo o baixo andino; já se dispõe de 30 horas de gravação, decupagem e digitalização de etnografias dos saberes Mbyá neste campo específico da saúde privilegiando as autoridades de medicina tradicional: karay e Kunhá karay; arquivamento da documentação fotográfica e audiovisual do acervo de sustentação da pesquisa. Durante a continuidade do projeto aconteceram 25 visitações recíprocas e sistemáticas tanto entre os universitários, lideranças indígenas e o povo Mbyá-guarani, quanto visitações dos guarani na universidade.
CONCLUSÕES:
A conclusão deste trabalho científico é a constatação espantosa de como está vivo o eurocentrismo entre os brasileiros; é inegável a discriminação e miopia diante das culturas nativas e herdeiras de grande saber tropical. Outra conclusão é que se voltando aos saberes ancestrais locais, se observa a presença da sustentabilidade e a ecologia, a economia energética e a não necessidade de importação de nenhuma matéria. As tecnologias aqui desenvolvidas tem bases mais empíricas do que se imagina, testadas durante séculos, muito antes da chegada dos europeus. Se se pensasse por analogia poder-se-ia dizer ser o mesmo que um originário da América ao morar nos árticos não quisesse construir sua casa com a tecnologia local, os iglus, ou então, manter seu padrão trofológico, rejeitando as banhas e peixes, querendo apenas frutas tropicais. Até mesmo nos hábitos, se o mesmo quisesse tomar a quantidade de banhos e vestir as mesmas roupas de outrora. Fica claro que o modo como se vive hoje é um desequilíbrio, é anti-natural, e isso se reflete na terra com a escassez de recursos e na saúde integral, com o aparecimento de tantas doenças. Em analogia ecológica pode-se concluir que temos muito potencial, mas ainda achamos que a grama do vizinho é mais verde e não reparamos as riquezas diversificadas constitutivas de nossa realidade. Conclui-se ainda que persistem nossas atitudes etnocêntricas, prossegue o processo de anulação de outras culturas originárias e a continuidade da dependência de reprodução de realidades não locais.
Instituição de fomento: Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL
Trabalho de Iniciação Científica
Palavras-chave: Auto-sustentação ; Autonomia; Reexplicitação cultural.
Fonte:
http://www.sbpcnet.org.br/livro/58ra/JNIC/RESUMOS/resumo_2638.html